[16/11/2009] • 3 comentários

Quando somos pequeninos, acreditamos que o pai é aquele que está presente sempre que chamamos, é aquele que tudo resolve, é aquele que conforta, que acolhe, que protege, é aquele que nos defende dos maus, é aquele que afasta os nossos fantasmas, que mata os monstros escondidos debaixo da cama, é aquele que invocamos quando queremos mostrar superioridade, é aquele que queremos imitar quando formos grandes… mas depois crescemos e… Puf! É como se o feitiço que tornou o nosso pai aquele super-herói tão especial se desfizesse num breve instante. Quando esse super-pai começa a perder poderes aos nossos olhos, quando começa a ser falível, quando as feridas deixam de passar com um beijinho, quando ele já não nos pode dar tudo o que queremos, quando ele já não é capaz de dar resposta a todos os nossos problemas e a todas as nossas questões, eis que aparece a promessa de um novo super-herói equipado com, pelo menos, tantos super-poderes – Deus.
Deus oferece-nos ainda mais uma quantidade de super-poderes que não seriam possíveis para o super-pai terreno. Senão vejamos, ao invés de um super-pai que nos oferece vida finita Deus oferece-me uma vida sem fim, para além da morte. Deus oferece-me ainda extras como capacidade de perdão absoluto, poder para estar presente em qualquer situação e disponibilidade para me ouvir a qualquer hora do dia. Para além de tudo isto, Deus tem ainda uma super arma, uma espécie de arma de destruição maciça que tudo move e que é capaz das maiores revoluções – chama-se amor incondicional.

Mas será a nossa relação com Deus uma relação com a paternidade mal resolvida? A nossa relação com os outros é uma projecção das relações que estabelecemos na nossa infância. Tendemos a reproduzir a relação que os nossos pais têm um com o outro no relacionamento futuro com a nossa cara-metade, tendemos a reproduzir o comportamento dos nossos pais quando somos pais, portanto tendemos também a reproduzir a relação que temos com o nosso pai terreno na relação com Deus. Assim, se prevalece um pai austero e disciplinador acredito num Deus mais punitivo que me poderá condenar ao Inferno se entrar em incumprimento, se por outro lado a minha relação com a figura paterna é uma relação de maior dependência, tenderei a que a minha relação com Deus seja de passividade e de expectativa de que Ele resolva todos os problemas (uma espécie de Deus muleta). Portanto, se a minha relação com o pai é de cumplicidade, se o meu pai é aquele que dá colo, então tendo a acreditar num Deus capaz de me amar infinitamente, num Deus Pai, num Deus com quem tenho vontade de me fazer ao caminho.

Assim, se tenho uma relação com a paternidade mal resolvida, tendo a fugir de relações equiparadas que me causam sofrimento, e por isso diria que tendo a afastar-me de Deus ou a ter também uma relação com Deus mal resolvida, e até comigo mesma. Mas quando sou uma pessoa bem resolvida, com uma relação com a figura paterna (e também materna) bem resolvida, então é mais fácil para mim estabelecer uma relação segura com Deus, uma relação de confiança e forte vinculação.

Será então que acreditar em Deus não será antes uma relação com a paternidade BEM resolvida? E não será o pai aquela figura autoritária e obstrutora que escapa ao encanto do afectivo regaço maternal? Será Deus um super-Pai ou estará Ele muito mais próximo de uma super-Mãe?

3 comentários:

Luis Carlos disse...

Olá Fabi,

Acreditar em Deus é acreditar em nós mesmos, se é uma paternidade ou uma maternidade, pode ser as duas coisas ao mesmo tempo, assim como pode ser nenhuma delas, a não ser que nos vejamos como pai ou como mãe para os outros seres humanos.

Deus, para nós, será sempre o reflexo daquilo que pensamos ser. Que não está num sítio específico, mas em todo o lado, em todas as coisas, em todos os seres, e ao mesmo tempo. Se pensarmos que Deus não está presente num determinado sítio, isso é uma ilusão por muito que isso nos custe. Se pensarmos que Deus pode ser menos alguma coisa, então não pode ser o verdadeiro Deus, é um falso deus.

Por isto, não me preocupo se Deus é um super-pai ou uma super-mãe, ou mesmo se eu tenho ou não uma relação com a paternidade mal resolvida ou com a maternidade mal resolvida, pois é a partir da relação comigo mesmo e depois com os outros (sendo eles também, pai ou mãe carnal) que sentimos profundamente a relação com Deus, até a respirar o ar sinto-me em relação com Deus, aliás eu sou Deus, posso pensar que estou afastado de Deus, mas isso é uma ilusão, é impossível estar afastado de Deus, pois aquilo que eu sou é EU SOU. Eu sou intrinsecamente Deus e também sou extrinsecamente Deus. Há Deus por todos os lados a todo o momento.

Por isso, todas as invenções religiosas sobre Deus, que uns dizem que é pai, outros que é mãe, outros que é energia, outros que é isto e aquilo, estão todos certos e todos errados ao mesmo tempo, por que Deus é tudo isso e mais do que possamos imaginar, portanto as questões finais são irrelevantes para estabelecer qual a nossa relação com Deus. Eu digo, a nossa relação com Deus é a nossa relação connosco próprios e por extensão com os outros seres humanos.

Até já, e boas reflexões,
Luís Carlos

Faby disse...

Engraçado que quando li o seu comentário me lembrei dos livros de NEALE DONALD WALSCH - Conversas com Deus - e agora, ao ver o seu perfil, reparo que é uma das suas obras de eleição. Também me identifico...

Deixo aqui um pequeno excerto, precisamente aquele que serviu de inspiração à preparação do meu Baptismo há um tempo atrás:

"- Estou sempre convosco, até ao fim dos tempos. Acreditas nisto?

- Sim, agora acredito. Mais do que nunca, quero eu dizer.

- Ainda bem. Então usa-Me. Mais vezes. Todos os dias. A todas as horas, se tiver de ser.

Aproxima-te de Mim. Aproxima-te de Mim! Faz o que sabes. Faz o que tens de fazer. Faz o que é preciso.

Reza um terço. Beija uma pedra. Curva-te para o Oriente. Entoa um cântico. Balança um pêndulo. Testa um músculo.

Ou escreve um livro.

Faz o que for preciso.

Cada um de vocês tem a sua própria interpretação. Cada um de vocês Me entendeu — Me criou — à sua própria maneira.

Para alguns sou um homem. Para alguns sou uma mulher. Para alguns sou ambos. Para alguns, não sou nem uma coisa nem outra.

Para alguns de vocês sou energia pura. Para alguns, o sentimento supremo, a que chamam amor. E alguns de vocês não fazem ideia do que Eu sou. Sabem simplesmente que EU SOU.

E assim é.

EU SOU.

Sou o vento que vos roça os cabelos. Sou o Sol que vos aquece o corpo. Sou a chuva que vos dança no rosto. Sou o aroma das flores no ar, e sou as flores que exalam a sua fragrância. Sou o ar que transporta a fragrância.

Sou o princípio do vosso primeiro pensamento. Sou o fim do último. Sou a ideia que iluminou o vosso momento mais brilhante. Sou a glória da sua realização. Sou o sentimento que alimentou a coisa mais amorosa que jamais fizeram. Sou a parte de vós que anseia por esse sentimento repetidamente.

O que quer que para vocês resulte, o que quer que o faça acontecer — qualquer que seja o ritual, cerimónia, demonstração, meditação, pensamento, canção, palavra ou acção necessária para que vocês se "re-unam" — façam-no.

Fazei isto em memória de Mim."

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E se "a nossa relação com Deus é a nossa relação connosco próprios e por extensão com os outros seres humanos", como diz (e eu acho que diz muito bem!) então também é a nossa relação com a paternidade/maternidade porque essa influencia invariavelmente a nossa forma de nos relacionarmos com os outros, porque essa é a primeira relação que a criança estabelece no Mundo e com o Mundo, é a primeira experiência de vinculação. Logo, está necessariamente presente quando mais tarde me vinculo com outros, designadamente com Deus.

Parece-me seguro afirmar que pessoas mais bem resolvidas com a sua parentalidade, são pessoas mais bem resolvidas consigo próprias, mais bem resolvidas na sua relação com os outros e por isso mais bem resolvidas na sua relação com Deus (a existir).

Alx disse...

Na continuidade do teu texto, não achas que a fé é tantas vezes, demasiadas mesmo, associada a um experiência de coitadinhos!?
Com um conjunto de coisas mal resolvidas, a começar pela própria capacidade intelectual e até financeira!? (Com outras palavras: é uma coisa de burros e pobres!!!!)

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