Esta fotografia foi tirada na Tunísia, numa pequena cidade portuária, situada na Costa Este do Mediterrâneo, chamada Mahdia. Pitoresca e pacata, um dia a capital da Tunísia, Mahdia preserva ainda hoje alguns vestígios do seu passado glorioso. Um dos pontos mais interessantes situa-se, sem dúvida, no Cabo África, onde está instalado um farol e um enorme cemitério de pescadores do século XVII, que se espraia pelo promontório suave em direcção ao mar.
Imaginem-se a passear de carro numa zona árida e deserta… não, não é nada do género “Paciente Inglês” com tempestades de areia, são apenas quilómetros onde a vegetação não abunda, nem as pessoas, nem sinais delas. E de repente, avistam uma povoação, e vão até lá como que à descoberta do desconhecido. E encontram um cemitério que não tem muros, nem portões, que se estende de um lado e do outro da estrada, ali mesmo à beira-mar. E continuam a andar e o cemitério acompanha-vos sempre. Sempre com o carro em andamento, pegam na câmara de filmar, com essa avidez de levar um pedaço desse cantinho para casa, e fazem 5 minutos de um filme monocórdico de um cemitério muito, muito longo. Depois, aproveitam para fotografar e disparam quase acidentalmente meia dúzia de fotografias, pouco confiantes por saberem que ficarão tremidas. E quando chegam a casa, no intuito de escolher as melhores fotos da viagem na era do digital, deparam-se com esta imagem! Sim, foi tal e qual assim que aconteceu!
Palavras? Tenho poucas! Apenas as que troquei, nas férias seguintes, com um amigo que conheci já na ilha de Djerba e que era de Mahdia - o Sami. Perguntei-lhe o porquê de um cemitério de tamanhas dimensões, atravessado por uma estrada, se tinha morrido muita gente em alguma guerra. Disse-me que não, que era apenas um cemitério muito antigo. Perguntei-lhe o porquê de um cemitério à beira-mar. E ele respondeu-me “Se morresses hoje não gostarias de ficar para sempre junto ao mar?”. Assenti. Ele revelou-me que a especulação imobiliária era forte e que muitas tinham sido as tentativas para fazer naquele lugar estâncias de férias para turistas de calção e toalhinha de praia, mas que o povo nunca tinha permitido. E eu agradeci em silêncio ao povo de Mahdia por não me ter privado desta e doutras imagens!
3 comentários:
Considero o teu texto uma homenagem à voz do povo que faz lei da sua vontade.
Ao jeito,
"Uma nêspera
estava na cama deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
Chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece às nêsperas
que ficam deitadas
caladas a esperar o que acontece.
(Mário-Henrique Leiria, Novos Contos do Gin)
Moral da história: não deixemos estragar as "paisagens" que um dia poderão ser inspiradoras para alguém. E há tantas, se há...
...acho que nunca tinha olhado para um cemitério e sorrido...muito menos, acho que algum dia alguém me disse que gostou de um...
...e dizem que as imagens dos outros não abrem horizontes...
já te devia um comentário!
que bonita, bonita imagem. disseste-me que não te descrevia, mas parece-me que é notória a tua sensibilidade para a herança da comunidade humana. como uma prenda para o MUNDO e para TODOS te sensibilizou.
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